Você sabia que Pássaros Artificiais é um projeto transmídia? Que as histórias a serem contadas nessa HQ não se limitarão somente a suas páginas, refletindo-se em outras tramas, desde livros até web-séries? Que a mente maluca por trás disso tudo elaborou um manifesto só para falar sobre suas intenções com essas histórias ambientadas no interior do Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Macuco?
O primeiro ponto deste manifesto é o livro dispositivo: conceito
adotado de Deleuze e Guattari, tratando a obra de arte literária
como um objeto divisível em seções esquemáticas. Em
outras palavras, temos aqui
um dispositivo disforme, agenciando eventos e personagens que volta e
meia retornam à atenção do leitor disposto a uma leitura que
busque acompanhar o caráter totalizante e fragmentário deste
projeto. A observação dessas ligações, no entanto, se compromete,
haja
vista que as diferentes histórias não se apresentam sob um único
teto ou formato. Felizmente, isso lhes concede uma liberdade
segmentar que não existiria caso todas as narrativas se
apresentassem num só ponto.
Pássaros Artificiais é uma história mutante,
que será publicada de uma maneira aberta às vontades do leitor
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Talvez seja um bom momento para se lembrar que essa HQ é, por si só, uma reinvenção dela mesma. Nesse blog, você pode encontrar uma versão anterior dessa página. As narrativas aqui propostas, um grande romance subdividido em seções
não esquemáticas, se valem de um dispositivo disforme, um
agenciamento de eventos e personagens que volta e meia retornam à
atenção do leitor disposto a acompanhar a totalidade dos
acontecimentos ou de um pesquisador com determinação suficiente
para se debruçar sobre todas as histórias, já publicadas ou não.
Deleuze
e Guattari nos dizem que o agenciamento das séries só pode ser
feito se a grande série se dividir em subséries. Analisando a obra
de Kafka, em Por Uma Literatura Menor, eles se detém sobre O
Processo:
Esse
funcionamento do agenciamento só pode ser explicado se forem levados
em consideração, desmontando-o, os elementos que o compõem e a
natureza de suas ligações. Os personagens do Processo aparecem em
uma grande série que não cessa de proliferar: todo mundo com
efeito, é funcionário ou auxiliar de justiça (e no Castelo todo
mundo tem a ver com o castelo), não somente juízes, os advogados,
os oficiais de justiça, os policiais, mesmo os acusados, mas também
as mulheres, as jovens, o pintor Titorelli, o próprio K. Assim, a
grande série se divide em subséries. (…) Ora, a primeira
característica dessas séries proliferantes é que elas vão
desbloquear uma situação que, em outro lugar, as fechava em um beco
sem saída. (DELEUZE, GUATTARI, 1977, p. 28)
No
nosso caso específico, as personagens de Tocando
anu para Cantagalo,
são em sua maioria contadores de histórias. Jornalistas,
escritores, cineastas e quadrinhistas dividem a cena com bêbados,
maconheiros e loucos que só querem a oportunidade, também, de
contarem suas histórias, seus pontos de vista diversos sobre os
mesmos elementos.
O
poder de se observar ou ser observado nessas narrativas é reprimido
pela ideia de que nem todas foram publicadas ou estão disponíveis
num mesmo local de armazenamento, mas isso também lhes concede uma
liberdade segmentar que não existiria caso todas as narrativas se
apresentassem num só ponto. Afinal, Deleuze e Guattari nos dizem que
“cada
segmento é uma máquina, ou uma peça de máquina, mas a máquina
não é desmontada sem que cada uma de suas peças contíguas não
constitua máquina por sua vez, tomando cada vez mais lugar.”
(IDEM, p. 84)
A
arquitetura da informação de nossas narrativas é baseada na
proliferação das séries, desterritorializando os padrões de
linguagem ao mesmo tempo em que territorializa as ações contidas
nelas. Vale ainda dizer que esse movimento estético da desordem
pré-determinada não é pura paúra do academicismo literário,
tampouco autoindulgência criativa, mas sim um esforço de completude
e compreensão (ainda que anárquica) da obra.
Já
que a história do mundo é feita, de modo algum de um eterno
retorno, mas do impulso de segmentos sempre novos e cada vez mais
duros, será acelerada essa rapidez de segmentariedade, essa rapidez
de produção segmentar, serão precipitadas as séries
segmentarizadas, serão acrescentadas. Já que as máquinas coletivas
e sociais operam uma desterritorialização maciça do homem,
prosseguir-se-á ainda mais longe nesse caminho até uma
desterritorialização molecular absoluta. A crítica é inteiramente
inútil. É muito mais importante desposar o movimento virtual, que
já é real sem ser atual (os conformistas, os burocratas não deixam
de interromper o movimento nesse ou naquele ponto). Não se trata de
modo algum de uma política do pior, muito menos de uma caricatura
literária, menos ainda de ficção científica. (IBIDEM IDEM, p. 87)
Assim,
o que falamos aqui é de uma possibilidade narrativa onde o livro
seja algo mais que o volume de papéis ou o amontoado de bytes
presentes para um leitor digital. A correlação de histórias
trazidas sob o título de Tocandoanu para Cantagalo
fazem parte de uma rede, onde os objetos em análise não se
encontram presos ou estanques, mas ainda assim, em constante
interconexão.
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