quarta-feira, 23 de junho de 2010

As Portas da Percepção / O Céu e o Inferno


Originalmente publicado em dois volumes, As Portas da Percepção (1954) e O Céu e o Inferno (1956) são dos ensaios mais conhecidos de Aldous Huxley (1984-1963), popular romancista autor de livros como Sem Olhos em Gaza, Contraponto, Admirável Mundo Novo e A Ilha. Em As Portas da Percepção, Huxley fez uso do experimento in loco da mescalina para detectar os efeitos da droga sobre o funcionamento do cérebro. O caráter transcendental do trabalho é assumindo desde o título, uma citação (“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”) retirado da coletânea de poemas O Casamento entre o Céu e o Inferno, de William Blake.
Chega a ser irônico observar um gentleman inglês como Huxley quebrar tabus e falar com tamanha sobriedade sobre um tema como as drogas. A influência de seu trabalho é notória, tendo se manifestado tanto no campo acadêmico (os experimentos com LSD que fizeram com que Timothy Leary fosse expulso de Harvard), departamentos de segurança do Estado (notórios os estudos conduzidos pela CIA, induzindo cobaias a tomarem doses de variadas drogas afim de observarem seus efeitos), até no campo contracultural (como as excursões de Ken Kesey pela América, com seu ônibus Furthur, realizando testes públicos de ácido, e o livro Cartas do yage, onde os escritores beatnicks William Burroughs e Allen Ginsberg realizam, à sua indiossincrática maneira, um estudo semelhante ao de Huxley, desta vez com o cipó que serve de principal bebida eucarística do Santo Daime).
As conclusões de Huxley, que chega a transcrever trechos de gravações e diálogos em que estivera sob o efeito da droga, são de que “abertas as portas”, a despeito da má fama, o dito alcalóide não oferece redução perceptível das lembranças e raciocínio, embora as impressões visuais sejam grandemente intensificadas, “recuperando um pouco da inocente percepção da infância, quando o senso não se achava direta e automaticamente subordinado à concepção”, mas ainda assim, gerando uma grande vontade de não fazer nada, passando a considerar injustificáveis a maioria das causas que os fariam agir desta ou daquela forma. “Lesado”, diriam. Huxley, porém, defende que há melhores coisas a se pensar quando sob o efeito da droga.
A segunda bateria de ensaios, O Céu e o Inferno, dividida em pequenos apêndices, dá conta também dos efeitos que a iluminação podem ter sobre alguns indivíduos, revelando aspectos nada agradáveis tanto da psique quanto do modo como o mundo se apresente para este ou aquele. Segundo Huxley, a simples noção de individualização presente em algumas dessas viagens ruins, pode ser o bastante para levar um homem à loucura. Ainda assim, firme em seu propósito de vislumbrar a transcendência (que já havia sido tema de um apêndice no seu estupendo romance Os Demônios de Loudun), Huxley passa a análises curtas, porém bem descritivas, sobre outros fenômenos capazes de gerar experiências semelhantes, tais como a luz estroboscópica e o dióxido de carbono.
Como se vê, as experiências para afugentar o ego e vislumbrar algo além dos limites comuns, ao menos para o senhor Aldous Huxley, são um pouco mais variadas que os limítrofes costumes da civilização ocidental tem nos apresentado. Como mencionado no segundo parágrafo, irônico é que tudo isto tenha se passado nos cinqüenta e sessenta e que, novamente, caminhemos na intenção de transformar tais assuntos em tabu. Respirando fundo por aqui...