quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Gibis que dão nó

Me vi pensando como seria se a narrativa dos quadrinhos parasse de copiar o cinema e a TV e buscasse alguns recursos da ópera, por exemplo. Que tal quadrinhos densos, carregados de referências, herméticos, que parecem mais poesia do que prosa? Que tal quadrinhos carregados de significados e possibilidades múltiplas, prismáticas? Quadrinhos compostos como música? Em um mercado dominado por séries 'lado esquerdo do cérebro' [que geram reações racionais], achei que seria revigorante oferecer uma alternativa 'lado direito' [reações emotivas].”

Grant Morrison em entrevista ao site Newsrama

Aprendi a ler com quadrinhos de super-heróis, mas foram os autores mais “porra-loucas”, como Grant Morrison, Alan Grant, Alan Moore, James Delano e Peter Milligan que fizeram minha cabeça pra valer. Gente que escrevia quadrinhos com o mesmo fôlego e tesão de Thomas Pynchon, James Joyce ou até Will Self, que não tinham pudores em te catar pela cabeça, “querido leitor”, e te sacudir até ficar tonto, só pra no final, PA!, te chacoalharem os miolos todinhos com uma pancada contra a parede.

Esses me fizeram o tipo esquisito que sou.

Claro, nem de longe me arrogo ser um autor à altura de qualquer um dos grandões citados no parágrafo anterior, mas bem posso ser presunçoso de querer criar minha própria maneira de conduzir as coisas, não? É isso que Pássaros Artificiais é, seguindo bem próximo desta fala capturada do Morrison durante a entrevista que ele deu quando o último (e complexo) número de Crise Final chegou às lojas de quadrinhos americanas.

Quadrinhos pra engambelar a realidade, ao mesmo tempo que lida com tudo que nos inferniza e deleita por aqui. Escapismo pra que?, se podemos encontrar jogos e caminhos incríveis entre as linhas de uma página, as tonalidades de um quadro e os movimentos simples de um bom ator num palco mal iluminado?

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Em tempo: o livro que Cristina aparece segurando é Quando Teresa brigou com Deus, de Alejandro Jodorowsky. O tema do livro, um tratado de redenção familiar, conduz boa parte da minha história, que também se fia na confiança de que os leitores são bem capazes de entender as elipses, os pontos de fuga e os segredos que todos, inclusive personagens de uma hq, podem trazer em suas vidas.

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